140 anos de Maranhão Sobrinho (1879 - 2019)

Textos Escolhidos

CARBONO 14

Pensar a pedra
como atrás fora
o ser, é do chão.

A pedra que dentro
diz da criatura
seu peso-réu
de ambição. (De quem

o novo erro?)

Nosso verbo se iguala
ao dos dinossauros:
adubos de um paraíso além.



FÊNIX

Um corpo
para que o pó o plume
da pedra que o pena,

que pena
é peso de pálpebras
na palha após
do tempo.

A pena
que é do pássaro
o sempre depois
no próprio pó
a repetir-se.



O GOLPE

Deu-nos Deus a dádiva-dívida
do existirmos para a folha
de pagamento, indébita

quando pese em juros
o cunho do ser no chão
e cesse a cobrança.



CONTRACEPTIVO

É da noite
o colher galos
de sua infância.
Para a noite,
o experimento do dia.

A manhã final
previne-se da luz:
o galo in vitro
e o sol na gema.


LIÇÃO GASTRONÔMICA

À maneira dos peixes
no paladar dos mares,

as línguas do silêncio
nadam juntas no pó.

Ó cardápio em mim
onde sem pai naufrago:

és o que de Deus cabe
quando porto nenhum.



ESTOCAGEM

Um museu de sombras
gela em nosso sangue.
Pesamos sobre o engaste
do nada como um depósito
de sobras sem nenhum direito.

Detrás de que pálpebras
existiremos? Sob que
pensamento?
Qual pedra de nós
se fará sem risco?



EXERCÍCIO DE MONTARIA

O dia cavalga crepúsculos
em seus cavalos

Ó reino do estábulo,
a existência é esse relincho
sob os cascos gastos das horas.



OFÍCIO SOTURNO

Quanta carne
idêntica
usufrui o tempo.

Uma tabula rasa
sobre quem o solo
forja esquecimento.

Como de um AR-15
a última verdade:

em berço esplêndido
deita-se eternamente.



REFORMA AGRÁRIA

Repartir terras
no partir do ser
à terra que o dista,

a juntar-se ao ínfimo
grão sem flor dos ossos
da eternidade nele
debulhada em bulha.

Repartir terras
no ser adentro
como do bagre ao bago
se afogam na feira os peixes,
em frescos e podres:

o ser pode em bago
voltar ao que lhe é de terra
e de direito.



ALA OBSTÉTRICA

Sem centro ou cohab onde habite,
vivo a guitarrear teu sexo
como um pássaro hemorrágico.

Palavra de um só cadáver
para a selfie que é de dois
no céu inverso do umbigo.

Eternidade – este biombo
da garganta até o Hades
do vocábulo por dentro.

Eternidade – esta maca
no vazio a ser dos ossos
um deus nascendo da cloaca.



ENKIDU REVISITADO
  
Séculos de vitrais ganindo
sua chaga ambígua e recôndita;

séculos a arrojar de si
andrajos do orgânico aço

(O céu sucumbe sem mapa
quando da boca os animais
tornam navegável o abismo),

até que o vocábulo em trépano
rasgue os caibros da eternidade
no piscar de olhos de um morto.



NICODEMOS À NOITE
  
A água passa e resta a gente voltar ao Dia
em que as vacas espúrias flamejam nas pálpebras,
quando a perna suspende o azul no abrir do estábulo:

Morro! e resta em Deus o ganir dos eucaliptos.




INVENTÁRIO 

Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto-imposto
cobrado à sanha de metralha.

(em vez de dólar dolo,
o duplo das vezes, fezes)

Não tive ouro ou gado que me valha
neste pasto feito excremento.

O silêncio atroz que me navalha
é tudo o que hoje ostento.










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