140 anos de Maranhão Sobrinho (1879 - 2019)

quarta-feira, 8 de maio de 2019

BARRA DO CORDA E SEUS 184 ANOS

        



Por Kissyan Castro

        Barra do Corda tem a nobre dádiva de fazer vir à luz este dia – 03 de maio – tal qual uma oferenda de cheiro suave sobre o alto do Calvário, sem qualquer estereótipo ou repetição ritualística. Pois aqui, nesta cidade, cada dia nasce outro, insuspeitado, belo e único.

Hoje Barra do Corda completa 184 anos. Não é mais uma menina. Apesar do inquebrantável saudosismo que constitui a própria essência de nossa gente. Um passado riquíssimo que persiste e que aprendemos a amar sem quaisquer contornos ou próteses que pudessem justificá-lo.

          A propósito, quando eu era menino lembro-me que Barra do Corda era para mim apenas a rua Rio Xingu – meu microcosmo – onde cresci, com sua constelação de moleques empinando “suro”, soltando traques e pega-moleques, e as mães com cipós em riste, gritando: “passa pra dentro, menino!” As fofocas passavam de casa em casa sem nenhum transtorno, despontavam junto à manhã com as galinhas ainda a ciscar no quintal. E eu, brincando na rua de peteca,enquanto mamãe preparava o almoço. Dona “Nega”, a professora, congregava as crianças em sua casa para auscultar nosso desempenho na carta de ABC. Quando errávamos recebíamos, de mãos espalmadas, o castigo da “Madalena” – como era chamada a palmatória. Brincávamos de cai-no-poço, da pata e de esconde-esconde. Quando não havia asfalto podíamos “comer peixe” enfiando o triângulo (que não tinha esse formato) na areia, depois das chuvas. Costumávamos pegar “bicuda” nas carroças que transitavam desajeitadas por ruas dantes nuas. A rua era nosso mundo, onde vivíamos sem sobressaltos. A chegada do circo, no entanto, causa-me uma mescla de alegria e medo. Medo porque fazia-me lembrar do dia em que um palhaço, atado a uma enorme perna de pau, atravessara a rua, enquanto eu voltava da quitanda do Seu Zezé levando um “mercado” de manteiga. Assombrei-me, pois para mim era como um gigante prestes a me pisotear.

            De repente acordei e vi-me noutra cidade. Dilatada, robusta e promissora. Barra do Corda cresceu. O asfalto encobriu com seu negrume aqueles idos saudosos.Contudo, ainda podemos ouvir o seu latejo a embriagar-nos de vertigem. Esses tempos não estão mortos, coexistem no presente, respiram conosco, crescem com o tempo.

Sim à Barra do Corda de Olímpio Cruz, sublimada e elevada a mito em seus fragrantes versos, enriquecendo nosso imaginário, viscerando o orgulho de ser cordino. Ainda que no presente reclame ela vozes outras, novos mitos insurjam e reivindiquem novas manifestações artísticas, novas formas de dizê-la, de iluminá-la.

            Barra do Corda está em cada passo que transita na rua e que nela repercute. A brisa soprando nos bambus, o sol tateando o mármore da Matriz, a azáfama do tráfego matutino, as diversas vozes que dela ecoam vão compondo o que há de cordino em cada um de nós. Estamos em cada um de seus odores, em cada uma de suas frutas, de seus semáforos, de seus rios, compondo a sinfonia de suas águas. Somos seus múltiplos barulhos. Barra do Corda não é singular, é plural. Somamos às dela as nossas vozes, e assim nasce o cordino desse diálogo, como neste poema que compus há tempos:

Até ao barro me Barra
esta Corda onde moro.

Tudo me acorda
e mearinha nesta Barra,
até o barro.

Assim segue o rio. Assim seguimos molhados e embalados nos úmidos braços desse “Rio Conjugal”. Nossas angústias nele mergulhadas vão escrevendo suas gotas, avolumando suas águas. Pois não há dor tão funda que não possamos entregar ao rio. Tens alguma inquietude?... O rio leva! Não consegues esquecer as duras palavras que o atingiram?... O rio leva! Mas não confidencie nada de imediato ao Mearim. O Mearim é um velho austero que de tanto ouvir rumores, turvou-se. Contudo, podes depositar tuas dores pacificamente junto ao Corda, cuja virilidade desata qualquer problema. Destarte, o Corda corre e vai dizer baixinho ao Mearim – porque ambos não guardam segredo – as coisas que não conseguiríamos contar sem turvar ainda mais as suas águas. As árvores que se debruçam às suas margens vão ouvindo nossas conversas. Até mesmo os pássaros, ao pousar em seus galhos, ficam a par de tudo.O rio quer passar... reféns, passamos.

“nunca fui
de pronunciar rio

preferi antes
o minuto de silêncio

sempre dei asa
à pausa

tudo o que digo
cabe só
no meu umbigo

rio é passar
performance do espaço
quando o tempo
é puro aço

o rio passa
eu passeio

ainda passará
quando eu for
passarinho”

O rio abriga nossas vozes e afagos; nossa infância, nossa família e nossos amores. O Corda é mais que a corda que nos ata à Barra. Viver aqui é não ter subterfúgios; é acordar e ver o Corda mearinhado ao Mearim.

“e este rio metido
no meu gasto mensal
no meu pé de meia
na minha meia verdade

metido
na minha cara a tapa
no meu preço a prazo
no meu saldo devedor
no meu queima total

e agora fervendo
na gema
do meu poema”

Barra do Corda pequena. Barra do Corda querida. Barra do Corda pequena demais para em seu bojo conter-nos, que o coração cordino é enorme e não pulsa em qualquer peito. Mas que outra maneira existe para mantermo-nos unidos,seguros, senão estreitando esse amorável abraço com o qual nos acalentam os rios Corda e Mearim? Porque a luta da cidade é braba, e estar longe da Barra é que é, de fato, uma barra.

            Parabéns, Barra do Corda, pelos seus 184 anos!

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